terça-feira, 28 de dezembro de 2010

voltar à infância

Tive uma infância feliz. Não consigo imagina-la mais feliz e tranquila do que foi. Cresci na rua a jogar à bola, às escondidas, às apanhadas, à porrada com os vizinhos, de pé descalço e roupa suja. Bati a portas e fugi, subi árvores, trouxe para casa animais abandonados, não parti pernas nem braços mas nódoas negras, arranhadelas e membros torcidos não me faltaram. Andei de bicicleta na rua, de skate, construí carrinhos de esfera, brinquei na terra, joguei ao peão, andei de motas com caixaria e à boleia, e desde que me lembro de ser gente passei os dias de Verão na praia e as noites no jardim municipal. Tinha os amigos de escola e os amigos de Verão.
As crianças de hoje não têm esta sorte. Os pais vivem assombrados com o perigo da pedófilia, dos raptos, dos assaltos, do caos que se tornaram as ruas cheias de carros. Desapareceram os convívios nos adros das igrejas, nos jardins e nas praças.
Por volta dos onze anos já ia para a praia sozinha. Saia de casa logo depois do almoço e até à praia ia-mos encontrando pelo caminho. Éramos muitos. Passávamos a tarde inteira dentro de água. Não havia fome nem pele enrugada que nos tirasse de lá. Inventávamos jogos e desafiavamos as marés. Não havia mais nada para além deste mundo.
Hoje não sei do paradeiro de mais de metade dos meus amigos de Verão. Eram boas pessoas, certamente continuam a ser.
Hoje vim trabalhar para o café com vista "minha" praia, completamente mudada, transformada numa coisa pseudo-burguesa, que então deixei de frequentar. Mas nem assim me roubaram as recordações. Continuo a ver-nos a saltar de uma prancha que já não existe, a desfiar as nossas forças nadando até umas pedras enormes e distantes a que chamávamos de Baixa Grande e Baixa Pequena, destruídas pelas obras, vejo-nos a ver quem fica mais tempo debaixo de água, a atirar objectos para o fundo e ver quem os vai buscar primeiro a apaixonar-nos pelos miúdos e miúdas novas que vêm cá passar o verão.
Os tempos são outros. Bastante diferentes. Crescer é uma seca. Mas ainda assim, nem um mar sobressaltado como hoje leva daqui a memória da tranquilidade deste lugar.



Piscinas Municipais da Ribeira Grande - antigas Poças

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